O tema do Mercado Voluntário de Carbono (MVC) aprovado em Portugal está na ordem do dia! Trata-se de um tema de extrema relevância e de oportuno interesse para proprietários florestais, empresários agrícolas e organizações de índole ambiental, sendo, pois, inúmeras as iniciativas de divulgação e que pretendem promover a discussão sobre o assunto, às quais se associam variadas personalidades e entidades com grande conhecimento e responsabilidades sobre a matéria.
Enquadrando, afinal do que trata este mercado voluntário de carbono? Basicamente, trata-se de um instrumento de mercado de cariz voluntário, promovido pelo Estado Português, que permite às empresas que emitem gases com efeito de estufa poderem vir a compensar parte dessas emissões (basicamente, aquelas que não podem ser evitadas, ou emissões residuais) adquirindo créditos de carbono gerados por projetos que promovam ou a redução de emissões ou o sequestro de carbono da atmosfera. Sendo o sequestro biológico de carbono da atmosfera um processo que apenas é possível através da fotossíntese feita pelas plantas, estamos no essencial a falar de projetos de índole agrícola e florestal, onde a utilização de plantas é potenciada também com o objetivo de fomentar a sua função de sumidouro de carbono. Este mercado, tendo sido apresentado publicamente em 2023, apenas foi regulamentado em janeiro de 2024, apesar desta regulamentação ser ainda muito vaga em aspetos técnicos e operacionais no que concerne ao funcionamento do mesmo. Contudo, são já conhecidos os princípios fundamentais sobre os quais o MVC se deve reger:
1. O princípio de credibilidade, com vista a garantir realismo e robustez aos projetos de carbono;
2. O princípio da adicionalidade, com vista à promoção efetiva da redução de emissões ou do aumento do sequestro para além daquele obtido num cenário de referência (o que quer que isso signifique…);
3. O princípio da permanência, com vista à manutenção do sequestro de carbono por um longo prazo;
4. O princípio da eficácia, com vista à implementação de projetos que sejam eficazes na concretização dos objetivos de redução de emissões ou de aumento de sequestro de carbono, evitando potenciais fugas;
5. O princípio da transparência, que visa a clareza na divulgação da informação sobre os projetos de carbono, evitando a dupla contabilização de créditos;
6. O princípio do acompanhamento, que promove a monitorização e a verificação dos processos de contabilização de emissões e remoções promovidas pelos projetos;
7. O princípio da sustentabilidade, que visa a existência de cobenefícios ambientais e socioeconómicos gerados pelo projeto.
Mas o MVC encontra-se atualmente numa situação de dualidade: será que a expetativa gerada em torno deste mercado é aderente à sua realidade?
Expetativa:
A expetativa gerada em torno do Mercado Voluntário de Carbono junto dos proprietários e produtores agroflorestais é clara: será este MVC o mecanismo que vai (finalmente!) reconhecer e valorizar parte das externalidades positivas associadas aos espaços agroflorestais, nomeadamente, o sequestro e armazenamento de carbono? Podem os proprietários e produtores agroflorestais contar finalmente com o reconhecimento das suas opções de gestão e de intervenção no território, com os investimentos de salvaguarda de um património natural do qual toda a sociedade beneficia?
O decreto-lei que regulamenta o MVC em Portugal, datado de 5 de janeiro de 2024, mostra-se suficientemente ambíguo e complexo para gerar dúvidas, criar discussões, fomentar receios mas também suscitar anseios suficientes capazes de justificar a presença de inúmeros participantes nos vários fóruns que se organizam para discutir o tema. Acima de tudo, procuram-se esclarecimentos sobre as inúmeras dúvidas que o diploma legal que institui o MVC e que estabelece as regras para o seu funcionamento ainda levanta:
1. Qual a aplicabilidade concreta do princípio da adicionalidade? Pode este princípio ser aplicável em projetos que já se encontram em desenvolvimento (nomeadamente, projetos agrícolas e projetos de reflorestação com objetivos de produção)?
2. Qual o período de permanência que deve ser considerado em cada tipologia de projeto de carbono? Como vai ser definido este período de permanência?
3. Como e por quem vai ser definido o cenário de referência? Haverá múltiplos cenários de referência consoante a tipologia de projeto? Pode o cenário de referência reportar-se a um período temporal passado, se bem que prévio ao projeto, se este já tiver sido implementado?
4. Quais vão ser os critérios de elegibilidade dos projetos de carbono? Vai este mecanismo de geração de créditos de carbono poder ser aplicado em todo o território nacional ou apenas serávelegível para aplicação em “áreas prioritárias”?
5. Em que vão consistir e o que vão contemplar as metodologias de quantificação de carbono que devem ser implementadas? Que dados deverão ser recolhidos para a quantificação do carbono que não foi emitido ou que foi sequestrado?
6. Vai ser este mercado suficientemente atrativo para competir com outros esquemas de certificação de créditos de carbono já implementados e com reconhecimento internacional?
7. Quando será expectável que o conjunto de regulamentação que permita o funcionamento do MVC esteja publicado?
A expetativa é, pois, que este MVC seja amplo na sua aplicação, podendo abranger variados projetos e incidir sobre várias realidades existentes no território agroflorestal nacional, quer sejam florestas de conservação, florestas de produção, sistemas agroflorestais, mas também, áreas agrícolas ou de pastagens onde as práticas de gestão cumpram objetivos de redução de emissões ou de aumento de sequestro de carbono. É também expetável que os princípios fundamentais que regem este MVC sejam devidamente esclarecidos para que o mesmo seja aplicável aos promotores que cumpram os objetivos estabelecidos.
Realidade:
Na realidade, o MVC promovido pelo Estado Português é, ainda, inexistente. À boa maneira portuguesa, o anterior executivo foi célere no anúncio de um mercado voluntário de carbono português, desenvolvido margem da regulamentação europeia sobre o tema, a qual só começou a ser aprovada em abril de 2024 com a resolução legislativa do parlamento europeu que aprovou o quadro de certificação relativo às remoções de carbono. O resultado parece ser evidente: o regulamento do MVC português aprovado em janeiro de 2024 sugere pouca aderência com as recomendações do parlamento europeu sobre o tema.
Outra realidade é que, não sendo as questões técnicas e operacionais do MVC ainda conhecidas, o mesmo corre o risco de cair em descrédito e tornar-se pouco atrativo, face outros mecanismos de certificação e de comércio de créditos de carbono já existentes e implementados no mercado internacional, e que cada vez mais surgem no contexto nacional. De facto, a escassez de esclarecimentos por parte das entidades oficiais às dúvidas existentes e a demora na publicação de legislação específica sobre este MVC, geram cada vez mais desânimo entre os agentes do setor agroflorestal, que gostariam de finalmente ter o devido reconhecimento pelo mercado das boas práticas agrícolas e silvícolas que resultam em claros benefícios ambientais. Também a confusão gerada pelo desconhecimento sobre os requisitos que a(s) metodologia(s) de quantificação de emissões ou de remoções de carbono devem apresentar está a originar um desencorajamento para que eventuais promotores possam ter interesse neste mercado.
Mas nem toda a realidade é má! Vários exemplos de projetos já desenvolvidos (por exemplo, aqueles apresentados pela Terraprima) demonstram de facto o enorme potencial que o território agroflorestal português possui para gerar incrementos no sequestro e stock de carbono em vários reservatórios, seja na biomassa viva como (sobretudo!), também no solo. E este potencial é uma oportunidade real que não deve ser descurada!
Haja de facto vontade política e capacidade técnica nos organismos públicos responsáveis pelo MVC para concretizar o que há mais de um ano anda a ser apregoado!
Nélia Aires
Área Florestal
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Excelente Artigo por Nélia Aires com questöes muito pertinentes sobre este Mega Projecto essencial.
Se correr bem, este projecto poderá vir a dinamizar áreas no Interior ao abandono.
Áreas de mato que poderia ser reabilitado para este Objectivo europeu.
Sei que a 8 de Outubro houve desenvolvimentos relativamente à legislacäo no que toca a este assunto.